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Curso em Londrina com dra. Lílian Lopes
Para que serve o ultra-som do coração fetal? O que deve ser feito para melhorar a qualidade da análise cardíaca do ultra-som obstétrico?
Sabendo-se que a maioria dos recém-nascidos com problemas cardíacos morrem em nosso país por falta de diagnóstico precoce, transporte adequado e vagas em hospitais de referência especializados, entende-se a importância do diagnóstico da cardiopatia em fase pré-natal. O diagnóstico precoce permite o planejamento do parto em hospital com suporte para cardiologia pediátrica e cirurgia cardíaca, havendo tempo para superar problemas médicos e principalmente os sociais.
Embora tenha havido no mundo um entusiasmo muito grande em relação à sensibilidade da posição de quatro câmaras em detectar anomalias cardíacas (fig 1), trabalhos de literatura tem demonstrado resultados desanimadores. Levi e cols (1) relatam sensibilidade de 24%; Bromley e cols de 43% (2); Achiron e cols (3) de 48%. Isto quer dizer, em outras palavras, que um feto cardiopata tem, em 50% das vezes, laudo ultra-sonográfico obstétrico normal.
O problema da não familiaridade dos ultra-sonografistas com as posições cardíacas é sério, causando estranheza entretanto que apenas há poucos anos a comunidade médica venha falando no assunto. Parece absurdo que um ultra-som morfológico não detecte uma anencefalia, uma agenesia renal ou uma hidrocefalia. Por que então muitos colegas acham “normal” não examinar o coração durante seu exame? Por quê as falhas diagnósticas na área cardiológica fetal que resultam na grande maioria das vezes em óbito fetal ou neonatal são encaradas como um “azar” por parte de obstétras e ultra-sonografistas?
Muitas destas perguntas podem ser respondidas se analizarmos separadamente a comunidade médica que trabalha na área diagnóstica cardiológica fetal. De um lado, temos os cardiologistas pediátricos que se especializaram em ecocardiografia fetal e de outro lado a comunidade de imagenologistas que trabalham com o ultra-som obstétrico. Os primeiros são “experts em coração”, usam termos complicadíssimos (e até mesmo esotéricos!) para referir-se às cardiopatias congênitas e se isolam em um pequeno grupo. Do outro lado temos os profissionais da área de imagem que “não fazem” ecocardiografia fetal, acham a anatomia cardíaca fetal misteriosa e difícil, com inúmeras e incontáveis possibilidades de doenças, o que os torna impotentes perante este assunto indecifrável, concluindo portanto que não são capazes de entender o coração fetal e para isto existe a necessidade de um especialista.
O tabu que envolve a cardiopatia congênita pode ser deixado de lado a medida em que alguns pontos sejam entendidos. Primeiramente, é importante que se compreenda que mesmo não sendo um especialista cardiologista, o ultra-sonografista tem a obrigação de saber rastrear os corações alterados sem o compromisso nem a obrigação de se laudar o diagnóstico preciso. Para tanto basta um conhecimento básico de rastreamento que envolve o aprendizado de 3 cortes básicos, sem haver a necessidade de se aprofundar em teorias eruditas.
Em segundo lugar, é preciso que haja simplificação de linguagem por parte dos especialistas cardiologistas que devem entender que a erudição diagnóstica somente atrapalha a comunicação entre os colegas ultra-sonografistas sendo o feto e seus familiares os grandes perdedores. Concomitantemente, as comissões científicas dos eventos de área de imagem deveriam incluir o tema coração fetal para o ultra-sonografista em forma de aulas e cursos com mais frequência, de tal maneira a motivar mais o estudo do assunto, que reconheço não ser dos mais fáceis.
Tomemos como exemplo então a França e a Inglaterra que já na década passada desenvolveram um programa educativo de rastreamento de anomalias cardíacas voltado para ultra-sonografistas com resultados espetaculares. O resultado mais expressivo desta campanha foi um trabalho publicado pelo Professor L Fermont, que visitou e recebeu em seu serviço ultra-sonografistas de toda a França, acumulando em 10 anos 68 casos de transposição das grandes artérias rastreados pelo ultra-som obstétrico e confirmados pelo referido professor, que é cardiologista pediátrico de formação. Este trabalho comprovou cientificamente pela primeira vez que o diagnóstico pré-natal muda a evolução de cardiopatias complexas como a transposição das grandes artérias (4).
Estando à frente do Serviço de Cardiologia e Ecocardiografia Fetal da Clínica Obstétrica do HCFMUSP e do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo há catorze anos, por muito tempo estranhei a falta de pacientes para realizar ecocardiografia fetal. Por muitos anos tentei divulgar o exame em literatura médica e leiga, sem grande sucesso. Somente aos poucos fui tomando conhecimento dos programas educativos realizados na França e Inglaterra, e ao aplicá-los, obtive um aumento do número de casos de diagnóstico pré-natal de cardiopatias congênitas, com melhora significativa dos resultados perinatais destes bebês, resultante do adequado planejamento do parto com equipe multidisciplinar.
Em razão disto, passei a oferecer cursos de treinamento e estágios voltados para ultra-sonografistas. Pouco a pouco fui entendendo as reais dificuldades dos mesmos em compreender os cortes do rastreamento cardíaco, visto que os cortes das vias de saída são difíceis por fazerem parte da rotina do cardiologista ecocardiografista.
Para facilitar o entendimento, passei a chamar o corte da saída da aorta de corte do pé de bailarina (fig 2) e o corte da saída da artéria pulmonar em corte da margarida (fig 3), o que facilitou o entendimento pela similaridade dos cortes com estas estruturas.
Seria então da competência do ultra-sonografista a realização da ecocardiografia fetal de nível I, isto é, o rastreamento das anomalias cardíacas inserido no ultra-som obstétrico morfológico. Significaria uma primeira triagem entre o normal e o anormal, sem o compromisso do diagnóstico correto e detalhado. No caso de uma estranheza ou sensação de anormalidade, a paciente deveria então ser encaminhada ao cardiologista pediátrico para a realização da ecocardiografia fetal (nível II), que é um exame específico, consta na tabela AMB e tem a obrigação de diagnosticar a cardiopatia em detalhes.
Desta forma acredito que a campanha de divulgação do rastreamento de cardiopatias através da inserção na rotina do ultra-som morfológico, não só da posição de quatro câmaras, como também das vias de saída com suas respectivas artérias (aorta e pulmonar), poderá efetivamente aumentar o número de diagnóstico de cardiopatias ainda em vida fetal e salvar muitas crianças.
REFERÊNCIAS
1. Levi S, Schaaps JP, Havay P, Coulon R, Defoort p. End-result of routine ultrasound screening for congenital anomalies: the belgian multicentric study 1984-92. Ultrasound Obstet Gynecol 1995; 5:366-71.
2. Bromley B, Estroff JA, Sanders SP, Parad R, Roberts D, Frigoletto FD, Benacerraf BR. Fetal echocardiography: accuracy and limitations in a population at high and low risk for heart defects. Am J Obstet Gynecol 1992; 166(5):1473.
3. Achiron R, Glaser J, Gelernter I, et al. Extended fetal echocardiographic examination for detecting cardiac malformation in low risk pregnancies. BMJ 1992; 304:671.
4. Bonnet D, Coltri a, Fermont L et al. Fetal transposition of the great arteries reduces morbidity and mortality in newborn infants Feta Diagn Ther 1998; 12(suppl1):139.t
(Matéria publicada no informativo médico “INTERAÇÃO DIAGNÓSTICA” ano1, n.1, abril/maio 2001, São Paulo / Publicada também no site WWW.ecokid.com.br de onde foi copiado)
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